Nau dos enforcados: superendividados dizem como se afundaram e se reergueram
Para perder o controle do dinheiro basta uma reforma desastrada da casa, uma doença na família, um carro enguiçado ou um passo maior que a perna.
Depois, a pessoa estoura o limite do cheque especial, entra no rotativo do cartão, faz um (ou vários) empréstimos consignados e recorre até a agiotas para manter o pagamento das dívidas antigas.
Conheça as histórias de superendividados que quebrara, mas conseguiram refinanciar os débitos em atraso. Em comu, todos trocaram dívidas com juros altíssimos por empréstimos com taxas menores e prazos mais longos. No caso, tiveram socorro do serviço de gestão financeira da Cecres (Cooperativa de Crédito dos Trabalhadores da Sabesp). O cooperativismo funciona com juros baixos, mas o cooperado também tem de depositar para ter direito aos empréstimos.
Roberto Vital, 44
"Não fazia contas e achava que ganhava bem mais"
Nossa história de dívidas começou no início do casamento, há oito anos.
Nessa época, era só músico, trabalhando de terça a domingo, e a minha mulher, Danielle, já estava na Sabesp como analista de sistemas.
A banda tinha um empresário mal-intencionado que pagava bem menos do que recebia das casas noturnas. Nós o despedimos e passamos a negociar os shows. Não deu certo e ficamos sem nada.
Desempregado, fui trabalhar como vendedor de consórcio. Não deu certo.
Decidi virar taxista. Fui trabalhar numa frota de táxi que cobrava R$ 75 por dia.
Comecei a abastecer o carro com cartão, pagava a frota com cheque especial e pegava empréstimo para ir pagando dívidas. Só consegui pagar e sair da frota em 2008, com a ajuda da cooperativa de crédito. Tive outro táxi, mas a manutenção era alta.
Em 2009, consegui um carro de um amigo taxista que havia quebrado o braço. A manutenção era baixa, mas a alegria durou pouco e ele pediu o carro de volta.
Fiquei sem trabalho, bateu o desespero e fui impulsivo. Resolvi comprar um carro em um feirão de usados. Escolhi um de R$ 42 mil para pagar em 48 meses. Era uma parcela de R$ 1.300 e eu pensei "é pouco, ganho mais que isso".
Mas não vi antes tudo o que gastava e R$ 1.300 era, si, pesado. Depois, o motor do carro fundiu e bagunçou de novo as nossas finanças.
Aí tivemos o socorro da cooperativa de crédito, que ajudou a pagar as contas.
Os técnicos ensinaram a gente a fazer planilhas. Confesso que nunca liguei para mixaria, fazia só conta rápida para decidir uma compra. Nunca reservava dinheiro para a manutenção do carro.
Nas planilhas, aprendi a administrar gastos com café, estacionamento, jornal… Fica fácil saber onde cortar.
Nossa dívida hoje está mais assentada. Pagamos juros menores e paramos de nos endividar. Cartão de crédito é só para emergência. Continuo a vida de motorista e tento engrenar a carreira de músico. Só faltam 12 parcelas do carro para pagar.
Esaqueu Castilho, 42
"Minha ruína foi uma reforma descontrolada"
Tive vários problemas com dívida. Quando algum credor ligava, eu dizia: "Vou ver se você foi sorteado". Eram tantos que precisava escolher.
Comprei minha casa com o FGTS e paguei R$ 40 mil em quatro anos. Depois, resolvemos fazer uma reforma para valorizar o imóvel. A ideia era gastar uns R$ 7.000, mexendo só na cozinha, durante um mês. A reforma durou mais de um ano e no final gastei R$ 50 mil.
Precisei vender um carro, usar economias guardadas, mais cartão de crédito, cheque especial e empréstimo para ir pagando as contas.
Chegou uma hora em que fiquei com 100% da renda comprometida com dívidas.
Nessa época, minha mulher precisou fazer uma cirurgia na coluna e perdeu parte da mobilidade. Tive que comprar um carro adaptado para ela. Quando percebi, estava devendo mais de R$ 100 mil.
A gente pensa só nas parcelas: "Ah, uma parcela de R$ 300 é pouco". Mas tem as contas, escola, água, condomínio, e quando vemos não temos os R$ 300.
Hoje, estou resolvendo essa situação. Consegui pagar minhas dívidas com juros mais altos usando um empréstimo de R$ 23 mil da cooperativa de crédito. São 36 meses, descontado direto no holerite. Saiu 40% mais em conta do que se eu tivesse refinanciado com os bancos.
Ainda deixei uma dívida no banco, mas parei de fazer qualquer gasto alto em casa. Tenho procurado antecipar as parcelas para pagar menos. Comecei a fazer muitas horas extras. O chato é que tem meses que passo praticamente longe da família.
Hoje, faria uma reforma mais planejada. Começa pensando só na cozinha, mas, se não tiver orde, muda tudo.
Tenho procurado contar com a orientação da cooperativa em tudo. Os técnicos dão dicas de como comprar, como parcelar, a hora certa de gastar e como atingir os objetivos. Se tudo der certo, no ano que vem já estarei sem dívidas e poderei ter gastos mais altos de novo, como viagem em família, uma festa de 15 anos para minha filha e de casamento do meu filho.
Mauri Benedito da Silva, 38
"Minha mulher tomou as rédeas das contas"
Hoje, minha mulher me pergunta: "Quanto é que vou receber neste mês?" Ela é contadora e tomou as rédeas das minhas finanças.
Meus problemas com dívidas começaram há oito anos, quando resolvi comprar um terreno em Joanópolis, no interior de São Paulo. Minha ideia era construir uma casa e me mudar para lá. O problema é que não tinha dinheiro.
Comecei a atrasar parcelas e fui atrás de mais empréstimos para cobrir o rombo.
Conseguia facilmente escapar daquela regra do limite de 30% de renda para pagamento de dívida emprestando em vários bancos.
Acabei pegando R$ 6.000 com um conhecido, pagando juros de 5% ao mês, dando cheques de R$ 800. Usava todo o limite do cheque especial, que os bancos sempre aumentam quando renegociamos as dívidas.
No pior momento, depois de descontadas as dívidas, sobravam R$ 17 do salário. Minha mulher estava grávida e fiquei desesperado por não levar dinheiro para casa.
Nessa época, resolvi engolir o orgulho e contei tudo para a minha mulher.
Começamos pedindo apoio na cooperativa de crédito, mas não consegui todo o dinheiro necessário. No lugar, recebi um valor para quitar as dívidas com juros maiores, como a de 5% do agiota.
Cortamos muita coisa. Por exemplo, deixamos de sair. Quando fazemos um passeio, vamos ao parque e ainda levamos o lanche. Também comecei a fazer muita hora extra. Até hoje faço uma média de 40 horas extras por mês.
E as contas da casa e as minhas ficam todas com a minha mulher. Ela guarda e administra tudo em pastas arrumadinhas.
Hoje, 40% da minha renda vai pagar as dívidas, sendo que antes era 100%. Também já consigo reservar 10% do meu salário para um plano de previdência.
Meu único deslize nesses quatro anos foi comprar um celular sem avisar minha mulher. Ela ficou muito brava, mas só comprei porque o meu anterior havia quebrado.
O importante é que já tenho o nome limpo há dois anos. Isso foi legal não para adquirir mais produtos ou outros empréstimos. Foi uma satisfação pessoal.
Recuperei o humor e não tenho mais as preocupações que me davam tristeza no passado. Até 2015, termino de pagar todas as dívidas.
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Damazio Eufrazio, 70
"92% da minha aposentadoria vai para a dívida"
Recebo R$ 2.500 da minha aposentadoria e R$ 2.300 vão para o pagamento de dívidas.
O que sobra é insuficiente para eu e minha mulher vivermos. Ela tem enfisema pulmonar e precisa de cuidados. Temos suportado com cestas básicas doadas.
Cheguei a ter cinco cartões de crédito e fiz quatro empréstimos consignados.
Emprestava para pagar outras dívidas e para comprar coisas para a casa. Me perdi nisso, pagando o mínimo da fatura de cartão de crédito.
Quando me aposentei, em 2007, tinha R$ 50 mil guardados. Usei parte para regularizar o terreno da minha casa, mas o resto foi gasto sem planejamento.
Fiz muitas reformas, desperdiçando material. Cheguei a financiar dois carros que acabei devolvendo.
Minha mulher acabou ficando pior de saúde e fiz dois empréstimos consignados para ajudá-la a se tratar.
Só foi menos pior porque usei as economias que tinha depositado na cooperativa. Eles conseguiram comprar as dívidas de juros altos e hoje parei de gastar. As dívidas que ainda tenho vão terminar de ser pagas em 60 meses.