Problemas financeiros das famílias podem ser evitados com ajustes no estilo de vida
Caminhos para consumir mais e gastar menos
Os problemas financeiros das famílias podem ser evitados com ajustes no estilo de vida
O sofrimento do brasileiro com suas contas a pagar já pode ser considerado um traço cultural. Independentemente de estarmos numa crise ou num bom momento econômico, os indicadores sempre mostram o endividamento como parte da vida da população. Vale lembrar que o endividamento não significa simplesmente ter prestações a pagar, mas sim ter dívidas fugindo ao controle, com uso frequente de empréstimos pessoais, cheque especial e crédito rotativo no cartão – conhecido como crédito de má qualidade. Pior do que dever é pagar caro pelo aluguel do dinheiro.
A raiz do problema está em nossa precária capacidade de planejamento. Falha o planejamento familiar, ao engessar demais seu orçamento com prestações a perder de vista, não deixando margem para imprevistos ou aumento nos preços. Se os orçamentos contassem com menos gastos fixos e mais gastos variáveis, mais opções as famílias teriam para cortar gastos quando outros aumentam. O excesso de inflexibilidade orçamentária impõe às famílias o uso dos empréstimos que cobram juros elevados. Pagando mais juros, comprime-se mais ainda o orçamento, consome-se menos, e a situação se agrava. É o fenômeno conhecido como “efeito bola de neve”, resultante dos juros sobre juros e sobre dívidas que não param de crescer.
Também por dificuldades em planejar, muitas famílias ignoram os custos resultantes da melhoria de vida que acontece ao consumirmos mais. Ao planejar a compra de um automóvel, somos estimulados a colocar na ponta do lápis os gastos com seguro, IPVA, combustível e manutenções básicas. Mas raramente se estima o custo de aproveitar o veículo nos fins de semana – quem tem quer aproveitar com passeios e viagens – e também uma provisão para multas e reparos de pequenos acidentes, que deveriam ser esperados por motoristas de primeira viagem. Lembre que automóvel, moradia, celular e muitos eletrodomésticos ainda são novidades que surgem pela primeira vez na história da maioria das famílias brasileiras.
O Brasil vive um boom de consumidores de primeira viagem. Assim como os compradores de veículos não têm histórico familiar para estimar os gastos com viagens e multas, compradores de smartphones ignoram o provável gasto com aplicativos, assim como quem compra computadores não planeja a compra de softwares e planos de uso de internet. As decisões de consumo baseadas no conceito de “dá para pagar a prestação” resultam em gastos inesperados, com os serviços acessórios às grandes compras. E é justamente nos serviços que a inflação vem destruindo o poder de compra dos brasileiros.
Surge aí outro tipo de falta de planejamento: a falta de incentivos e investimentos na expansão e no ganho de escala dos serviços, para acompanhar o consumo. Ao adotar a política reativa à pressão do lobby da indústria manufatureira, o governo estimula a compra de imóveis, automóveis e eletrodomésticos, mas a pulverização da indústria de serviços tira dela a força necessária para pressionar o governo a estimular investimentos no seu setor. Com a demanda maior do que a oferta, acontece a alta nos preços.
A inflação nos serviços deve ser combatida com educação para o empreendedorismo e estímulo à concorrência. Os problemas financeiros das famílias podem ser evitados com escolhas de consumo mais sustentáveis e ajustes no estilo de vida. A primeira e mais importante iniciativa que cada brasileiro deveria adotar é a redução no consumo dos gastos maiores e inflexíveis, principalmente moradia, automóvel e tecnologia. Trata-se aqui não de eliminar gastos, mas de reduzir o padrão de itens que tornam inviáveis o consumo dos demais.
Com uma moradia caprichada e sem verba para o resto, seu consumo se limita à moradia. Com uma moradia 10% ou 15% mais barata, você pode incluir lazer, cultura e qualidade de vida em sua cesta de consumo. Em outras palavras, um estilo de vida um pouco mais simples é extremamente recompensador, quando nele encontramos uma variedade maior de opções de consumo e maior tranquilidade para lidar com imprevistos e aumento de preços.
Não é uma mudança simples de adotar, pois envolve abrir mão do status, da parcela aparente do consumo. Nossa cultura latina valoriza principalmente o que as pessoas ostentam. Quem aparenta ser bem-sucedido, mesmo que com problemas financeiros, ainda é mais valorizado pela sociedade do que aqueles que, para se manter em equilíbrio, abrem mão de ostentar as grifes da moda. Precisamos, na verdade, dar mais atenção a nossa voz interior e ouvir menos a bajulação de uma sociedade que só valoriza a aparência. Trata-se da clássica reflexão sobre trocar o ter pelo ser.