28/10/13

A importância da educação financeira infantil

Há muito tempo a educação infantil deixou de se resumir a bons hábitos à mesa, etiqueta e convívio social, disciplinas escolares tradicionais e orientação sobre o que é certo ou errado. Surgiram outros temas, outras áreas de conhecimento, novos códigos de posturas, outros meios de comunicação, novos valores e preocupações com a formação cada vez mais abrangente das nossas crianças.

Naturalmente surgira, també, novos rótulos e outros pilares. Educação sexual, ambiental, alimentar e, claro, educação financeira. Sendo o dinheiro algo tão presente em nossas vidas, precisamos aprender a lidar bem com ele para tirar o melhor proveito e termos o mínimo de preocupações e problemas relacionados.

Educação e bom-senso todo mundo acha que tem e todos os pais procuram passar a seus filhos. Mas e educação financeira? Quando a maioria da população adulta reconhece que não a possui, como fazer para que as novas gerações, inclusive a de nossos filhos, não padeçam no futuro pela sua falta na infância?

Esse é um dos grandes dilemas da maioria dos projetos governamentais e institucionais de educação financeira. Como ensinar na escola se os professores não estão preparados? Como ensinar em casa se os pais não foram educados? Certamente não serão as ruas que vão ensinar. Teremos que ser nós mesmo, pais, professores e outros educadores que, em casa e nas escolas, assumiremos mais essa responsabilidade, preparados ou não. Quando participei do Grupo de Apoio Pedagógico do MEC que trabalhava na elaboração da Estratégia Nacional de Educação Financeira – ENEF, o que mais se dizia quando essa questão aparecia era: “temos que trocar os pneus com o carro andando”.

Aos consultar projetos de educação financeira de vários países, surgiu um consenso quase absoluto: aqueles que não começaram pelas crianças precisaram dar passos atrás e recomeçar. É mais fácil, mais barato, mais duradouro e mais produtivo investir na educação das crianças do que tentar mudar hábitos de adultos. E educação financeira em essência é isso: bons hábitos, boas posturas e boas atitudes diante de situações que envolvem dinheiro.

Está cada vez mais claro que o domínio da matemática financeira ou de conhecimentos do mercado financeiro é menos importante do que o domínio dos próprios impulsos e maus hábitos. Isso é uma ótima notícia e o fim de muitas desculpas. Educação financeira pode(e deve), si, começar na infância e ser oferecida em todas as classes sociais.

Vejamos algumas dicas e mitos a respeito:

Cofrinhos – Ótimo instrumento. Mas os porquinhos sentem fome. É importante que os adultos deem moedas às crianças para alimentá-los. A frequência e quantidade são mais relevantes do que os valores. O ideal é que sejam associados a objetivos viáveis para que possam oferecer o prazer da conquista e da realização em curto e médio prazo. Objetivos significativos para a criança, como a compra de um brinquedo, um passeio ou curtir uma tarde inteira tomando sorvetes. Nada de associar a objetivos da vida adulta, faculdade, auto sustento ou coisa parecida. Isso não motiva e pode chatear.

Mesada – Ótimo instrumento. Mas é apenas isso, um instrumento. Precisa ser acompanhada de orientações e acompanhamento. Pode iniciar aos 6 ou 7 anos, com pagamentos semanais. A partir dos 10 ou 11, pode virar mensal, com ou sem período de adaptação com pagamentos quinzenais. Não deve englobar o valor do lanche na escola. Não deve ser calibrada pelo desempenho escolar ou pelo exercício de atividades domésticas. Deve ter uma parte apartada para a formação de reservas de poupança.

Produtos financeiros – Excelentes motivadores. As crianças gostam de saber que possuem contas bancárias ou produtos financeiros que as aproximam do mundo dos adultos e de seus objetivos. Contas de poupança, planos de previdência e títulos de capitalização são exemplos de produtos que envolvem e motivam as crianças. Basta que entendam os princípios básicos e consigam acompanhar a evolução dos depósitos, saldos e rendimentos. Pelo menos uma ou duas vezes por ano os pais devem falar a respeito, mostrar extratos, comentar sobre o saldo, indagar sobre as expectativas, os sonhos, os desejos e o nível de compreensão.

Literatura – É cada vez mais ampla a oferta de livros sobre o assunto. Gosto mais dos literários e paradidáticos, que estimulam a reflexão, a imaginação e os questionamentos. Além das fábulas clássicas, como A formiga e a Cigarra, A galinha dos ovos de ouro, e posso citar obras lindas de Jonas Ribeiro, Cora Coralina, Ruth Rocha. Claro, sugiro as minhas obras também. Já são 10. Mas o melhor vem agora: livros para educação financeira ajudam a estimular o hábito de leitura. Uma pena que são poucas as crianças que gostam de livros, mas com certeza a maioria gosta de dinheiro. Temos que aproveitar os limões e fazer limonada.

Jogos – É quase um mantra os pais reclamarem do tempo que seus filhos passam no computador, nos tablets ou nos celulares, jogando, desligados do mundo. É quase igual à reclamação sobre a indisponibilidade dos pais. Experimentem resgatar jogos de tabuleiro como Banco Imobiliário ou Jogo da Vida. Não funcionou? Agora experimentem sentar para jogar junto com as crianças. Além do prazer do convívio familiar, naturalmente surgirão oportunidades para esclarecer dúvidas sobre educação financeira.

Em casa – Os filhos não precisam de teorias em casa. Precisam de exemplos. A preocupação com a educação financeira dos filhos naturalmente gera interesse e preocupação dos pais com seus próprios hábitos. Isso é muito bom. Todos aprendendo e praticando juntos. Falar uma coisa e fazer outra definitivamente não funciona com crianças.

Escolas – Precisamos ter paciência com as escolas e professores que ainda não encontraram os melhores meios para oferecer educação financeira às crianças. É algo ainda recente e difuso. Estão experimentando, aprendendo. Mas não dá mais para aceitar escolas que não ofereçam isso. Quando vão se atualizar?

Educação financeira infantil não é bicho-de-sete-cabeças. Não é, e não podemos deixar que pareça. É, e deve ser, algo simples. Deve respeitar os interesses e o nível de maturidade das crianças. Não depende da matemática, mas podem ser ótimas aliadas. Não depende de dinheiro, mas pode ajudar a fazê-lo render mais. Ter por objeto o bom uso do dinheiro, mas deve por fim ter a boa qualidade de vida.

Educação financeira, assim como o dinheiro, não é essencial para que alguém seja feliz. Mas com certeza pode ajudar a resolver questões práticas e contribuir para uma vida mais segura, mais tranquila, mais saudável e mais prazerosa. Isso é, pelo menos, um bom encaminhamento para ser mais feliz.