16/08/13

Carros: e bom comprar um bom usado

 

Não é novidade que temos os carros mais caros do mundo. Também não é novidade que existe uma série de críticas relativas à compra de usados. Essas objeções são abundantes e você, leitor, certamente conhece algumas.

Neste artigo, no entanto, o foco será totalmente restrito às vantagens dessa opção, procurando aprofundar a análise com visões diversas das convencionais.

Como diz o título, a compra de um usado somente é interessante, na minha opinião, se houver uma boa escolha, tanto relativa ao modelo quanto ao estado de conservação do veículo.

1. Por que comprar um usado?

Para a maioria das pessoas, acredito que é interessante comprar um carro usado, tanto do ponto de vista técnico quanto financeiro. É uma estratégia que propicia a aquisição de um bem com mais “valor agregado”, pagando-se um “preço” menor.

Quando menciono a expressão “valor”, estou me referindo à qualidade do veículo, considerando as suas características mais importantes, tais como a qualidade de construção, itens de conforto e segurança, refinamento, desempenho eficiente e confiabilidade.

2. Fundamentos relativos ao carro

2.1. “Carro 0 km mais simples x usado mais completo”: considerando “preços de compra” semelhantes, é possível adquirir um carro usado com um padrão extremamente superior ao de um 0 km.

Esse quadro se acentua quando falamos em populares 0 k, que oferecem baixos padrões de qualidade e segurança, conforme já discutimos no artigo “Carros: a preocupante falta de segurança no Brasil”.

Atestando essa realidade, na recente rodada de testes de colisão, realizada pelo Latin NCAP, dois dos carros vendidos no Brasil obtiveram “nota zero” em termos de segurança. Vale lembrar que um carro, para merecer o adjetivo de “completo”, atualmente, deve contar, no mínimo, com freios ABS e air bag duplo.

Além disso, outra vantagem para o comprador do usado é que os opcionais e acessórios normalmente não são computados no preço do carro, algo bem diferente do que ocorre no caso dos 0 km.

2.2. O ano do projeto ou do lançamento da geração: este é um ponto muito importante e normalmente esquecido. É relevante porque o padrão de comportamento dinâmico, desempenho, refinamento e principalmente de segurança é o vigente naquela época do projeto.

Esse cenário se torna mais grave em mercados emergentes, como no Brasil, onde há carros “jurássicos” – vendidos há décadas – e que ainda são oferecidos no mercado de novos (em várias faixas de preço, não apenas evolvendo populares).

Por exemplo, temos um veículo, vendido a partir de R$ 67 mil, que possui o projeto de 1998. Este carro saiu de linha nos mercados de primeiro mundo em 2007, mas ainda continua entre nós, após algumas mudanças meramente estéticas.

Na minha opinião, não vale a pena pagar um preço estratosférico por esses veículos ultrapassados 0 k, sendo muito mais interessante a compra de usados nessas hipóteses.

2.3. O brasileiro troca de carro rapidamente: conforme dados apresentados por Sérgio Habib, da Jac Motors, a média é a cada 32 meses. Esse número é inferior em relação a outros mercados. Na França, por exemplo, são 60 meses.

Como os veículos são bem duráveis, principalmente aqueles com padrão de qualidade superior, essas trocas constantes não fazem sentido, causando enormes prejuízos financeiros.

Por isso, quem compra um usado de pessoas que se desfazem do bem com muita antecipação, tendem a ser beneficiadas porque pagam um “preço de compra” bastante inferior em função da desvalorização já consolidada.

2.4. Um carro de qualidade e bem conservado pode durar muito: desde que bem cuidado, com uma manutenção bem feita, um carro pode rodar por muitos km e vários anos.

É claro que as adversas condições brasileiras, principalmente de infra-estrutura e combustível, diminuem a vida útil dos carros, mas, ainda assim, ela pode ser muito longa. Há vários casos de veículos, em boas condições, com centenas de milhares de km rodados, inclusive no Brasil.

Apenas para citar um exemplo extremo do exterior, um norueguês atingiu a incrível marca de “um milhão de milhas” (cerca de 1.609.000 km!) com seu carro. Dessa forma, é importante ter critério na hora de escolher um usado (realmente bem conservado), para realizar uma boa compra.

2.5. O temor da alta quilometragem: no Brasil, consolidou-se a ideia de que deve ser evitada a compra de carros muito rodados (isso também contribui para o significativo número de adulterações).

Realmente existe um fator histórico relativo à baixa durabilidade dos componentes de vários carros, principalmente daqueles produzidos antes do início da década de 1990, quando houve a “abertura” comercial.

Além disso, não se pode esquecer que ainda temos muitas “carroças” sendo vendidas, inclusive no mercado dos carros 0 km. No entanto, como foi dito no item anterior, o fator mais importante na escolha do carro deve ser o da qualidade e, no caso dos usados, deve-se acrescentar o estado de conservação.

Desse modo, realizar a compra de um usado de qualidade e bem conservado será uma boa opção. Por outro lado, se ocorrer a aquisição de um usado de baixa qualidade, será uma compra rui, como também ocorreria na compra de um 0km de baixo padrão.

2.6. “A melhor marca é a do carro 0 km”: essa infeliz ideia é muito presente na cabeça dos brasileiros. O principal ponto negativo, em linha com o exposto acima, é desconsiderar a questão da qualidade, a qual pode estar presente no carro 0 km ou não.

Além disso, não leva em conta o gigantesco impacto financeiro resultante dessa compra. Friso, ainda, a ilusão consistente na ideia de que o carro zero km não apresenta problemas.

Há inúmeros relatos de insatisfação e protestos, problemas crônicos, recalls que deixam de ser feitos, falhas de montagem (principalmente em carros de “primeira fornada”), retoques na pintura resultantes de colisões no transporte para a concessionária etc.

Apenas como exemplo, neste vídeo, o ADG, responsável por um canal de mecânica no Youtube, mostra o caso de um cliente insatisfeito. Evidentemente, o risco é maior no caso dos carros usados, mas pode ser minimizado por meio de uma compra criteriosa.

2.7. A obsessão pelo novo (neofilia): essa é uma tendência cada vez mais presente no mercado consumidor mundial. Mas qual é o sentido disso? Quais são os impactos financeiros e ambientais que isso gera nas vidas privadas e na sociedade? Por que orgulhar-se de ter “o carro do ano”?

Reflita a respeito do tema e pense em quais devem ser as suas efetivas prioridades, não deixando que o marketing faça a sua cabeça.


3. Fundamentos relativos às finanças


3.1. A questão do risco x retorno:
 em todas as nossas escolhas há risco. A obsessão por fugir dele, ao invés de procurar gerenciá-lo, tem um alto custo, principalmente quando falamos em carros.

Como foi dito no item 2.6 acima, a compra de um carro 0 km também envolve riscos. Dessa forma, na maioria dos casos, compensa assumi-los na compra de um usado, considerando as inúmeras vantagens financeiras. Para analisar adequadamente os impactos financeiros, é importante lembrar de toda a Estrutura de Preços dos carros no Brasil. E reflita também sobre o seu papel diante dessa realidade, tema abordado no artigo “Você e os carros mais caros e cada vez mais vendidos do mundo”.

3.2. Desvalorização: sem dúvida é a grande vilã, gerando o maior impacto financeiro. Dessa forma, você prefere tê-la ao seu lado ou contra você? Se comprar um usado, pode atenuar os seus efeitos, servindo como uma forte aliada.

Se optar por um 0 k, deve ter ciência de que, ao deixar a concessionária, já perderá no mínimo 10% do valor desembolsado. Na média, a depreciação, no primeiro ano, é de aproximadamente 17%, podendo chegar a até 25% em função das características de cada veículo. Com o passar do tempo, esses percentuais tendem a ser menores, mas ainda continuam significativos, principalmente nos três primeiros anos.

Por exemplo, recentemente, um de nossos clientes foi orientado a comprar um SUV, ano 2007, pelo qual pagou cerca de R$ 50 mil. Na época do lançamento, esse carro custava R$ 123 mil. Pense nestes montantes, que ainda nem levam em conta a inflação e o custo de oportunidade. Que tal?


3.3. IPVA:
 pago anualmente, este imposto é baseado num percentual do valor do carro. Nesse sentido, diminui com o passar do tempo, ocorrendo inclusive a isenção para veículos com idades superiores aos patamares definidos nas legislações estaduais.


3.4. Emplacamento:
 essa despesa é inaplicável no caso dos usados, ao contrário do que ocorre com os zero km.


3.5. Manutenção: 
evidentemente, os gastos são superiores para a manutenção de veículos usados (novamente, poré, lembramos que usados de qualidade podem gerar menos custos do que veículos novos de baixo padrão).

No entanto, as pessoas tendem a superestimar os gastos com manutenção. Efetuando-se contas simples, pode-se facilmente concluir que os acréscimos nesse item normalmente são muito inferiores se considerarmos apenas os impactos decorrentes da desvalorização e do custo de oportunidade na compra de carros 0 km.

Apenas como mero exemplo de referência, no artigo “Carro usado: na prática, vale”, o autor Carlos Farjoun demonstra um exemplo prático e particular, com caráter bem esclarecedor.


4. O verdadeiro foco para a boa compra dos usados

Em primeiro lugar, deve-se definir qual é o modelo mais adequado e com qualidade, de acordo com seu perfil. Em seguida, o ideal é buscar exemplares em ótimas condições.

Lembre-se sempre da regra principal: na compra de um usado, o que vale é o seu estado de conservação. O preço deve ser encarado como um aspecto secundário.

De fato, é interessante pagar um pouco mais caro por um carro impecável do que buscar uma economia temporária, com a compra de um carro em condições duvidosas. Isso porque o “preço de compra” é apenas um dos itens da Estrutura de Preços.

Aqueles que procuram as “barganhas” normalmente são os que depois reclamam da compra de usados, porque sentem na pele o velho ditado de que “o barato sai caro”. Particularmente, conheço pessoas de diversos perfis e posições sociais que optam pelos usados.

Um amigo, que atua como juiz e tem profundo conhecimento automotivo, certa vez comentou: “Tive inúmeros carros usados que deram muito menos manutenção que outros novos comprados por amigos na mesma época. Vale mesmo a pena. Por muito menos dinheiro, muito mais carro, com infinitamente menor desvalorização!”.

No mesmo sentido, temos as relevantes opiniões de outros importantes educadores financeiros: “Sou um dos que mais defende que a compra de um carro novo não é uma decisão financeiramente muito eficiente”, diz André Massaro.

“Defendo a compra de um carro usado por vários motivos: (1) pressionar as montadoras para oferecerem carros zero por preços menores; (2) menor preço; (3) menor desvalorização (já vem com um ótimo desconto); (4) se a compra for em concessionária, há o amparo do Código de Defesa do Consumidor e (5) possibilidade de comprar carro de categoria superior pelo mesmo preço de um zero mais simples (ou até mais barato!).”,argumenta Rafael Seabra.

Conclusão

“Se você só estiver disposto a realizar o que é fácil, a vida será difícil. Mas se concordar em fazer o que é difícil, a vida será fácil”  T. Harv Eker, em “Os Segredos da Mente Milionária”.

A opção de comprar um veículo usado tem sólidos fundamentos que a tornam bastante positiva. Mas, para tanto, é necessário rigor, pesquisa e paciência. Esse é um dos melhores caminhos para uma escolha consciente.

Embora tenhamos focado somente nas teóricas vantagens desse tipo de aquisição, é inegável que também há críticas relativas a esse tipo de escolha. Realmente deve ficar a critério de cada um a análise do que é melhor para si, considerando seus valores, preferências e prioridades. E, claro, para muitas pessoas o carro 0 km continua sendo a melhor alternativa.

Na consultoria automotiva pessoal Carro e Dinheiro, procuro analisar todos esses aspectos, de acordo com os perfis dos clientes. Como gosto de frisar, não há fórmulas prontas que podem ser aplicadas indistintamente. Cada caso tem suas peculiaridades. Afinal, o que importa é a busca pelas melhores opções, tanto em relação ao carro em si quanto em relação às finanças.