30/04/14
O poder do hábito no seu bolso
Na hora em que você pensa em dinheiro, logo lembra de como é difícil poupar parte do seu salário todo mês? Se a resposta é si, é bem provável que você tenha tentado, alguma vez na vida, registrar todas as suas despesas em uma planilha, ou cortar os pequenos gastos, e não tenha conseguido fazer as duas coisas com regularidade.
Isso acontece porque o efeito dessas ações – importantes na organização das finanças – só é sustentável se elas tiverem se transformado em hábito. Trata-se de uma ação que, repetida com frequência e de forma consciente ou não, é aprendida e desenvolvida. “É o mecanismo de produtividade do nosso cérebro. É o comandante geral que converte ações conscientes repetidas com frequência em hábitos inconscientes”, afirma Jurandir Macedo, consultor de Finanças Pessoais do Itaú Unibanco, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e fundador do Instituto de Educação Financeira (IEF). Segundo Macedo, é muito fácil convencer uma pessoa a adquirir um novo hábito. “Difícil é fazer com com que ela faça”, diz.
Para ele, as pessoas que estão endividadas demais tendem a achar que estão na mesma situação da maioria da população e que, portanto, isso é normal. O primeiro passo para obter uma conscientização a respeito disso, explica, é entender que o endividamento excessivo é uma consequência de escolhas feitas anteriormente. “O endividado precisa saber que está pagando juro a um banco e que isso é resultado das decisões que ele tomou antes”, afirma.
De acordo com Macedo, quem gasta mais do que ganha geralmente obedece ao impulso de consumir, que está numa área da cabeça chamada de “cérebro rápido” – o que responde a um estímulo de forma imediata e sem pensar. Alguns exemplos de ações guiadas pelo cérebro rápido: dirigir e escovar os dentes. “É uma parte do cérebro que não pensa no futuro e é mais obediente aos hábitos”, explica o consultor.
As “pegadinhas” do cérebro rápido são muitas. Macedo diz que o jeito é inserir nele hábitos saudáveis, como fazer exercícios físicos e controlar os gastos. “A pessoa pode até ter consciência de que precisa economizar dinheiro. Mas se um amigo a convida para jantar e ela recusa, com o intuito de economizar, pode escutar a frase: vai só pela companhia. E ela vai porque quer a companhia e isto está no cérebro rápido, que é aquele que não pensa no futuro”, explica.
Na opinião do consultor, o hábito é capaz de tornar as dicas de educadores financeiros mais eficazes, como a de preencher planilhas por exemplo.
Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia em 2002 e professor da Universidade Princeton, explica em seu livro Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar que o cérebro rápido opera com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário. Já o cérebro devagar é o responsável por escolhas e pela concentração, sendo o que aloca atenção para as atividades mentais laboriosas, incluindo cálculos matemáticos complexos. Sua função, diz Kahneman, no livro, é dominar o cérebro rápido com o autocontrole.
Em palestra na Expo Money, no começo deste mês, Macedo disse – com base em pesquisas nesta área – que o cérebro devagar consome 84% da energia do corpo e, por isso, tendemos a não utilizá-lo muito. Para se ter uma ideia, o cérebro rápido gasta bem menos, ou 16% da energia corporal.
A melhor forma de começar um novo hábito é priorizá-lo e fazer a mudança gradualmente. Segundo Macedo, a regra geral diz que o cérebro leva cerca de 30 dias para incorporar um novo hábito. Por isso, é preciso esperar que ele se torne automático para que, então, outro seja criado. O processo deve ser gradual para que possa gerar recompensas no futuro. De acordo com Macedo, a criação de um novo hábito pode demandar algum esforço no início, mas o importante é não desistir.
Ele cita como exemplo o hábito de controlar as finanças, ao anotar todas as despesas e receitas em uma planilha ou caderno. No começo, a pessoa pode tentar atingir 80% de exatidão nas anotações. No mês seguinte, pode aumentar a meta para 85% e ser criterioso. No terceiro mês, anotar com rigor 90% das movimentações. “Mudanças graduais têm chances maiores de sucesso, já que o corpo interpreta alterações bruscas como ameaças e tende a forçar a retomada do hábito anterior”, diz.
Outra estratégia de criação de hábito é a do “prêmio financeiro”. Neste caso, a pessoa deverá envolver um amigo, parente ou cônjuge, que será responsável por fiscalizar a execução do novo hábito. “Entregue para esta pessoa uma quantia significativa de dinheiro, que você tenha separado para comprar algum objeto de desejo. Sempre que escapar do novo hábito e perder a disciplina, esta pessoa fica com parte do dinheiro. Se você seguir direitinho o hábito poderá usar o dinheiro para comprar algo que gosta”, explica.
O terceiro método recomendado por Macedo é a utilização de redes sociais para divulgar um novo hábito. “Ao se comprometer com amigos e vê-los torcendo para você, não vai querer fracassar e nem estragar sua reputação”, afirma. Segundo o consultor, os bons hábitos tendem a se espalhar para outras esferas da vida e a contagiar outras pessoas. “Uma pesquisa realizada na Austrália, com 45 estudantes, mostra que ao criar o hábito de estudar mais, os voluntários melhoraram vários aspectos da vida”, conclui.
Antes de criar um novo hábito, é preciso refletir sobre o real desejo de fazer isso. O consultor Jurandir Macedo recomenda que a pessoa faça para si própria as seguintes perguntas antes de iniciar a mudança:
*O que estou tentando realizar ao criar este novo hábito?
*Eu preciso deste hábito para realizar meus objetivos?
*Existem exemplos de pessoas que já fizeram o que eu estou tentando?
*De que forma minha vida vai melhorar depois que eu assumir esse comportamento?
Com três profissões – a de jornalista, ator e produtor–, Diego Souza, de 23 anos, precisava apenas de um hábito para ficar em paz com as suas finanças: guardar dinheiro para o maior prazer de sua vida, que é o de viajar. Há dois anos ele começou gradualmente a “se pagar”, ao guardar de 10% a 20% de se seu salário. Ele também adotou o hábito de conciliar o trabalho fixo com freelancers. “Muitas vezes guardo na poupança todo o pagamento de um trabalho freelancer”, afirma Souza.
Com a reserva, consegue viajar três vezes ao ano, sendo que os recentes destinos foram Foz do Iguaçu, Argentina e Paraguai. “Agora meu projeto é ir para a Europa e os Estados Unidos. Para isso, vou planejar com muita antecedência, e tentar conseguir descontos”, planeja o jornalista.
Diego diz que ainda não adquiriu o hábito de investir melhor o dinheiro que guarda. “Sei que a poupança não rende, mas meus sonhos são de curto prazo. Quando sentir que tenho estabilidade profissional, pretendo aplicar em títulos públicos e na bolsa.”